Programa Mover: tudo que você precisa saber

O que é o Programa Mover?
É um programa do governo federal, criado em substituição ao Rota 2030, que objetiva o desenvolvimento sustentável da indústria automobilística brasileira, focando em incentivar o desenvolvimento de tecnologias, inovação e eficiência energética para promoção da mobilidade sustentável no país.

Por que ele foi criado?
Com o objetivo de estimular investimentos em novas rotas tecnológicas e descarbonização dos veículos brasileiros, incluindo carros de passeio, ônibus e caminhões. Além disto, visa o desenvolvimento tecnológico e a competitividade global, por meio da expansão de investimentos em eficiência energética, reciclagem na fabricação de veículos e compromisso com o desenvolvimento sustentável.

Quais suas principais diferenças para o Rota 2030?
De forma geral, é descrito abaixo as principais diferenças entre o Programa Mover e o Rota 2030:

Regime de incentivos à realização de atividades de P&D e produção tecnológica.
O Programa Rota 2030 previa, como incentivo principal, a dedução de IRPJ e CSLL, com base nos dispêndios realizados no país, no próprio período de apuração, desde que classificáveis como despesas operacionais. Já o Programa Mover prevê a geração de crédito financeiro a partir dos dispêndios em P&D ou investimentos em produção tecnológica realizada no país.

Novo fundo de Investimento em P&D
O Programa Mover institui um novo fundo de investimento chamado FNDIT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico), tendo com instituição gestora o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Medição de pegada de carbono diferente
No Programa Rota 2030 já era previsto a medição do nível de eficiência energética dos veículos novos produzidos no país, porém era bem mais “simplista”, chamado do tanque à roda, que levava em conta apenas as emissões de CO2 referente a queima de combustível pela utilização do carro.

Já o Programa Mover traz uma análise mais abrangente, chamada do poço à roda, considerando também nesta análise as emissões de dióxido de carbono geradas na produção do combustível que abastece o veículo. O intuito do programa é fomentar a utilização dos biocombustíveis.

Reciclabilidade como fator de benefício fiscal
O Programa Rota 2030 focava em quesitos como eficiência energética e segurança veicular. O Programa Mover, além dos quesitos já previstos no Rota 2030, adicionou mais um critério para concessão de benefício fiscal: a reciclabilidade do automóvel, visando melhorar o indicador de pegada de carbono do país, em um processo chamado do berço ao túmulo.

Nacionalização e importação de linhas de produção usadas
Excluído do Programa Rota 2030, o Programa Mover institui novamente o critério de nível de nacionalização do veículo visando concessão de benefícios fiscais, similar o que ocorria no Programa Inovar Auto. Além disto, o Programa Mover incentiva a importação de linhas de produção para industrialização no país, inclusive de itens usados, o que não ocorria no Rota 2030.

Fomento de Biocombustíveis
O Programa Mover, conforme comentado em item anterior, fomenta fortemente a rota do biocombustível. No programa, são previstos benefícios para o desenvolvimento e comercialização de veículos equipados com motores híbridos flex, de forma a popularizar a tecnologia no mercado brasileiro.

Maior abrangência de empresas participantes no Programa
O Rota 2030 era um programa de incentivo para o setor automotivo que visava estimular investimentos em pesquisa e desenvolvimento, inovação, segurança veicular e eficiência energética. Por outro lado, o Programa Mover é mais amplo e não engloba apenas o setor automotivo, mas também outros setores da indústria, visto que busca incentivar a inovação e o desenvolvimento tecnológico em diversas áreas, incluindo mobilidade, energia e meio ambiente, por exemplo.

Quais empresas podem recorrer aos benefícios do Mover?
De uma forma geral, podem recorrer aos benefícios as empresas da cadeia automotiva que:

Produzam, no país, os produtos abrangidos pelo ACE14;
Produzam, no país, os sistemas e soluções estratégicas para mobilidade e logística e seus insumos, matérias-primas ou componentes;
Tenham projetos de desenvolvimento e produção tecnológica que vise (a) a produção de produtos ou de novos modelos existentes abrangidos pelo ACE14 ou que estejam relacionados aos sistemas e soluções estratégicas para mobilidade e logística, e seus insumos, matérias-primas ou componentes, (b) projetos de relocalização de unidades industriais, linhas de produção ou células de produção de produtos automotivos e/ou (c) instalação de unidades destinadas à reciclagem ou à economia circular na cadeia automotiva; ou
Desenvolvam, no país, serviços de P&D ou engenharia destinadas a cadeia automotiva, com integração as cadeias globais de valor.
Ao mesmo tempo, a legislação define os seguintes pré-requisitos:

Tributar pelo regime de Lucro Real;
Ter centro de Custo de P&D;
Estar em situação regular quanto aos tributos federais; e
Assumir compromisso em P&D. Este investimento, para 2024, é de 1,00% da receita bruta de bens e serviços relacionados aos produtos automotivos, excluídos impostos, para automóveis e comerciais leves, e de 0,60% para Caminhões, ônibus, chassis com motor, máquinas autopropulsadas e implementos rodoviários, e de 0,30% para autopeças e sistemas ou soluções estratégicas para mobilidade e logística. É importante ressaltar que o percentual de investimento em P&D é progressivo ao longo dos anos.
Quais as diretrizes do programa?
Estímulo à Inovação: Incentivar as empresas a investirem em pesquisa e desenvolvimento, bem como em novas tecnologias que melhorem a eficiência e a qualidade de produtos e processos.

Desenvolvimento Sustentável: Promover práticas e tecnologias que contribuam para a sustentabilidade ambiental, como o uso de energias renováveis, a redução de emissões de carbono e a gestão eficiente de recursos naturais.

Competitividade Setorial: Fomentar o desenvolvimento e a modernização de setores estratégicos da indústria, como o automotivo, de energia, tecnologia da informação, entre outros.

Internacionalização: Incentivar a internacionalização das empresas brasileiras, promovendo parcerias e acordos comerciais que ampliem o alcance e a competitividade no mercado global.

Quais os benefícios que concede às montadoras e aos setores de autopeças que investem em PD&I?
Benefícios Fiscais para Veículos Sustentáveis: Por meio do sistema bônus-malus, os veículos no Brasil terão redução ou aumento do valor de IPI a depender dos seguintes indicadores: fonte de energia para propulsão, consumo energético, potência do motor, reciclabilidade, desempenho estrutural e tecnologias assistivas.

Incentivos à realização de atividades de PD&I: Empresas habilitadas poderão gerar crédito financeiro a depender da modalidade de habilitação e categoria do projeto correspondente ao valor de 50% dos investimentos em PD&I, podendo chegar até 320%.

Regime de Autopeças Não-Produzidas: Redução do imposto de importação para 2% quando se tratar de importação de autopeças sem similaridade nacional.

Ampliação de Benefícios Fiscais: Especificamente para empresas que se habilitem visando o desenvolvimento de projeto de relocalização de unidade industrial, também poderá gerar crédito financeiro no valor do imposto de importação relacionada a unidades industriais, linhas de produção, células de produção, equipamentos e aparelhos para controle da qualidade do processo, e para realização de pesquisa e desenvolvimento, além no valor do IRPJ e CSLL incidente sobre o lucro tributável correspondente a exportação de produtos fabricados no âmbito do projeto.

Cumulatividade com outros incentivos fiscais: Os investimentos em PD&I utilizados para o programa poderão ser utilizados de forma cumulativa com a Lei do Bem, mas não para a Lei de TICs.

Observação Importante:

Cabe reforçar que o Programa Mover não visa conceder incentivos fiscais apenas para empresas fabricantes de veículos e autopeças. Empresas que desenvolvam produtos considerados como sistemas e soluções estratégicas para mobilidade e logística e seus insumos, matérias-primas ou componentes, também poderão ser beneficiadas pelo incentivo fiscal.

Como vem sendo sua aceitação e busca pelo mercado desde que foi criado?
No dia 21/06/2024, o site de notícias do MDIC lançou uma notícia de que a montadora de ônibus e caminhões, Scania, anunciou R$ 2 bi de novos investimentos até 2028. Em 19/04/2024, a Honda tinha anunciado um novo ciclo de investimento de R$ 4,2 bi no Brasil. Estas notícias vão ao encontro da relatada em 12/04/2024 durante a inauguração da nova sede da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotivos (Anfavea), pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que celebrou os investimentos anunciados pela indústria automotiva no país, que alcançaram recorde de R$ 125 bilhões até 2033. Estes fatos demonstram que o Programa Mover se torna extremamente estratégico não apenas para o setor, mas também para o país.

Além disto, até o fim da vigência do Programa Rota 2030, tinha-se um total de 84 empresas habilitadas. Atualmente, o Programa Mover, em seu primeiro ano de atuação, já possui 69 empresas habilitadas, segundo dados do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) de maio deste ano.

Destas, 67 foram para unidades fabris que já produzem autopeças, veículos leves ou veículos pesados no Brasil; uma para serviços de P&D, e uma para relocalização de fábrica de motores, o que evidencia que o programa já demonstra ser um enorme sucesso.

Por outro lado, quais vêm sendo as maiores dificuldades/empecilhos em recorrer a tais benefícios?
Inicialmente, é importante lembrar que o Programa Mover foi instituído por meio da Medida Provisória nº 1.205/23, com vigência até 30 de maio. Em paralelo, tramitava o Projeto Lei nº 914/24, que aguardava aprovação na câmara dos deputados/senado federal. A inserção de um texto que tratava sobre a taxação de compras online inferiores a U$ 50, tida como assunto polêmico, dificultou a aprovação do PL 914/24 dentro do prazo de fim da vigência da MP 1.205/23, trazendo apreensão e insegurança para setor, que já tinha anunciado altos investimentos no país até 2029. Atualmente, o PL 914/24 encontra-se aprovado pela câmara dos deputados e pelo senado federal, aguardando apenas a sanção pelo presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, previsto para o dia 27/06/2024.

Ainda, a legislação do Programa Mover carece de regulamentações que melhor orientem as empresas quanto a alguns processos, como definição de pré-requisitos para descarbonização das frotas ou solicitação/reconhecimento do crédito financeiro oriundo dos investimentos de P&D.

Por fim, a legislação prevê limites globais, para cada ano calendário, dos créditos financeiros permitidos. As solicitações de autorização de geração de crédito financeiro serão analisadas e aprovadas de acordo com a ordem cronológica de recebimento. Desta forma, caso o limite global definido na legislação seja exaurido naquele período, haverá a obrigatoriedade de as empresas terem que cumprir o mínimo de investimento de P&D sem, necessariamente, conseguirem um retorno via crédito financeiro, o que gera um cenário de incerteza no setor.

Há uma expectativa de que o Mover ajude o Brasil a cumprir seus compromissos com a descarbonização do planeta e com o enfrentamento às mudanças climáticas. Quais mudanças ou incentivos precisam ser fomentados, desde já, para incentivar as empresas do setor perante este objetivo?
Há uma série de desafios a serem superados visando a descarbonização no país. A implementação de novas indústrias e tecnologias é um processo lento e que precisa de investimento em outros setores como energia e meio ambiente, para que a infraestrutura seja adequada e suporte a entrada e consolidação das novas tecnologias no mercado e país.

O Brasil possui, de fato, a infraestrutura necessária para promover essa descarbonização?
Segundo estudo do Sebrae (link), a infraestrutura é um dos principais obstáculos que impede a adoção em massa de carros elétricos no Brasil. Isto ocorre pelo fato deste tipo de veículo precisar ser carregado regularmente, mas a rede de carregamento no país ser muito limitada ainda.

Além disto, outro fator crucial que tem desacelerado a adoção destes carros no país é o próprio custo, visto que tendem a ser mais caros do que aqueles movidos a combustíveis fósseis. Ainda, a importação de carros elétricos é um dos principais desafios para a expansão deste mercado no Brasil, devido a logística e custos elevados.

Outro fator importante está relacionado a infraestrutura de descarte das baterias que servem como fonte de energia para propulsão dos veículos elétricos. Em um primeiro momento, pode-se ter a ideia de que a concepção e popularização dos carros elétricos são inofensivos ao meio ambiente, porém a reciclabilidade e descarte das baterias é um critério importante a ser considerado na equação.

Desta forma, verifica-se que o Programa Mover visa mitigar grande parte das problemáticas citadas por meio da possibilidade de que empresas que fabriquem ou desenvolvam produtos como sistemas e soluções estratégicas para mobilidade logísticas, assim como seus componentes, insumos e matérias-primas, sejam beneficiadas pelo programa, como, por exemplo, para fabricação de postos de carregamento de baterias. Além disto, é previsto uma modalidade de habilitação para que empresas instalem, no país, unidades destinadas a reciclagem ou à economia circular da cadeia automotiva, em troca de créditos financeiros ou incremento dos créditos por meio do desenvolvimento de tecnologias de propulsão avançada.

Há algum risco a esse incentivo perante a chegada de montadoras internacionais no país?
Na realidade, o Programa Mover fomenta a neoindustrialização no país, processo pelo qual é visado a modernização e reestruturação da indústria brasileira, com foco na inovação e diversificação das cadeias produtivas. Este incentivo é comprovado de 3 formas no Programa Mover:

Fomento de desenvolvimento de novas tecnologias de propulsão avançada, com foco no desenvolvimento de veículos eletrificados e seus componentes. Para isto, se torna interessante a atração de montadoras internacionais no país, de forma a internalizar a maturidade tecnológica e aumentar a competitividade no setor.
Por meio de modalidade de habilitação de projetos de desenvolvimento e produção tecnológica que fomentam projetos de relocalização de unidades industriais, linhas de produção ou células de produção de produtos automotivos, permitindo, inclusive, importação de tecnologias usadas e geração de crédito financeiro;
Por meio de adicional de crédito financeiro para empresas fabricantes de veículos (montadoras) que executem determinas etapas fabris e de infraestrutura de engenharia no país.
Por outro lado, segundo estudo da Mckinsey (link), existem correntes que acreditam que houve premissas equivocadas de atração de investimentos que ocorreram nos últimos ano relacionadas a expectativa de que o mercado local iria crescer indefinidamente, e que o país comportaria uma indústria de 5MM de carros. Neste sentido, a partir de incentivos fiscais governamentais, houve intensa instalação de fábricas de automóveis no Brasil, que saiu de 53, em 2011, para 65 em 2015. Isto refletiu uma capacidade esperada muito maior do que a demanda.

Neste sentido, só o tempo dirá se o advento de novas montadoras no Brasil, aliado a concepção do Programa Mover, será vantajoso ou desvantajoso.

 Andressa Melo, gerente de inovação do FI Group, consultoria especializada na gestão de incentivos fiscais e financeiros destinados à PD&I.

Canal-Jornal da Bioenergia

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