Genuinamente brasileiro e vindo de uma crise que durou quase dez anos, o setor canavieiro entra no segundo mês da nova safra esperando um recuo relativamente tímido do desempenho alcançado no ano passado – o que para a atividade é um excelente sinal já que os produtores vinham sofrendo, ano após ano, com oscilações de preços e níveis de produção, além de fatores arbitrários como clima, falta de políticas públicas específicas e altas taxas de juros.
De acordo com a projeção da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), a moagem deve girar em torno de 585 milhões de toneladas – 22,14 milhões de toneladas a menos em relação ao levantamento da safra anterior, quando a entidade apontou uma moagem de 607,14 milhões de toneladas.
Já a INTL FCStone, que trabalhou com uma produção de 600 milhões de toneladas no ano passado, estima que nessa nova safra haja um recuo e que os produtores colham 588,8 milhões de toneladas de cana-de-açúcar. Na contramão e acreditando que bons ventos soprarão nos canaviais, a Datagro aposta em números positivos. A consultoria prevê um aumento de 2,14% na produção – o que significa que os produtores devem colher 612 milhões de toneladas. Diferenças à parte, e levando em consideração o histórico da atividade, o cenário será positivo.
Em nível nacional, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima uma produção de 647,63 milhões de toneladas para a safra 2017/18, o que (ainda sim) representa uma queda de 1,5% em relação à anterior, quando o número chegou a 657,18. Em Goiás as estimativas de boas condições climáticas, quando comparadas com a safra anterior, criam a expectativa de uma forte recuperação no rendimento da lavoura, repercutindo nos níveis de produção estimado (4,1%) superior à safra passada. Ainda segundo a entidade, a área a ser colhida está estimada em 8,84 milhões de hectares, queda de 2,3%, se comparada com a safra 2016/17. Dentro disso, a menor área plantada derivou do desempenho do centro-sul, com um percentual negativo de 2,8%.
Em todas as previsões (com exceção da Datagro), o fator predominante para a diferença nos números de produção é a diminuição de área colhida, que deve passar de 9,05 milhões de hectares na safra 2016/2017 para 8,84 milhões de hectares na safra 2017/2018, o que será agravado pela idade avançada de alguns canaviais, pela estagnação da área cultivada e pela grande quantidade de cana envelhecida em campo.
Além disso, fatores como o impacto causado pelas pragas, que acabam interferindo significativamente no desempenho das lavouras, também estão sendo levados em conta. A boa notícia é que, nacionalmente, a Conab prevê uma alta de 0,9% na produtividade, que passou de 72,62 para 73,27 toneladas por hectare.
Em resumo, o cenário da próxima safra foi construído com entidades e produtores relativamente otimistas. Para Sebastião Guimarães Carvalho, a possibilidade de reestabelecimento da produtividade na nova safra tem deixado os produtores muito animados. Ele, pessoalmente, espera que sua propriedade, composta por 900 hectares e cujo canavial tem uma idade média de 5.6 anos, alcance produtividade recorde – vale lembrar que considerando que a idade média ideal do canavial é de 3,2 anos e que a cada 0,1 ponto de aumento, a perda de produtividade é de 1 tonelada por hectare, o canavial de Sebastião pode ser considerado velho.
No geral, a má notícia é que o produtor de Quirinópolis representa bem a realidade da maioria: em seu relatório, a UNICA informou que a idade média do canavial disponível para a colheita no ciclo 2017/2018 aumentou, saltando de 3,55 para 3,72 anos. A entidade divulgou ainda que no último ano a área de reforma e de expansão da lavoura respondeu por apenas 14,5% da área colhida, muito aquém dos 18% que deveriam ser observados em uma condição regular de produção. Porém, mesmo com previsões não tão boas, Sebastião se mostra animado. “Na safra passada eu produzi cerca de 92 toneladas por hectares. Nessa safra espero que esse número suba para 110, aproximadamente”, explica, já alertando sobre a necessidade do produtor se empenhar em busca de alternativas que melhorem a qualidade do canavial e que o preservem, ao máximo, em caso de imprevistos climáticos, financeiros e etc.
Produzindo cana-de-açúcar em Quirinópolis, ele conta que por conta da falta de chuva a safra passada apresentou perda de produtividade, mas que pode ser considerada razoável. Em algumas regiões o impacto negativo chegou a 20%, mas o percentual que atingiu a lavoura de Sebastião foi um pouco menor: cerca de 10% – isso porque ele colhe a cana no final de maio, o que é considerado cedo em comparação com os outros produtores. Para essa safra, e falando em um contexto mais geral, a ÚNICA relaciona a perda da produtividade agrícola com a redução na quantidade de cana-de-açúcar bisada e o envelhecimento do canavial.
Segundo a entidade, no ciclo 2016/2017 quase 8% da área colhida foi representada por cana bisada, cujo rendimento agrícola médio atingiu 97,19 toneladas por hectare. Já para a safra 2017/2018, este percentual deve totalizar cerca de 1%, reduzindo, portanto, o efeito positivo dessa variável sobre a produtividade média do canavial colhido no centro-sul.
Mudança do mix
Mas nem só de previsões relativamente ruins se fará o cenário dessa safra. O levantamento da UNICA mostra que o efeito do envelhecimento da lavoura e da menor proporção de cana-de-açúcar bisada sobre o rendimento agrícola deve ser atenuado pelas melhores condições climáticas observadas até o momento em diversas regiões canavieiras e pela retomada dos tratos culturais em níveis satisfatórios ao longo do último ano. Adicionalmente, no ciclo 2016/2017 a produtividade agrícola foi impactada pela geada que acometeu parte dos canaviais – fenômeno que, a princípio, não deve ocorrer nessa nova safra.
Como consequência direta da conjunção de todos esses elementos supramencionados, o rendimento esperado para a área a ser colhida no ciclo 2017/2018 apresenta queda de aproximadamente 2% na comparação com o último ano, quando alcançou 76,64 toneladas de cana-de-açúcar por hectare.
Outra grande novidade da safra 2017/2018, segundo o consultor da FCStone, Murilo Aguiar, é o aumento na produtividade industrial e quase 400 mil toneladas a mais de açúcar, por uma questão de remuneração, já que paga-se mais pelo cristal do que pelo etanol. “Desde o ano passado, e por critérios de remuneração, as usinas estão priorizando a produção do açúcar. O que esperamos para essa safra é uma mudança mais representativa do mix. A expectativa é reforçada pela perca de interesse do etanol na bomba de combustível e pelo aumento do investimento, por parte das usinas, na produção do açúcar. Em termos de competência de fabricação, fala-se em 1,5 milhão de capacidade adicional de produção do cristal”, pontua.
A previsão é compartilhada pela Conab, que espera uma produção de açúcar em torno de 38,70 milhões de toneladas – um patamar que não alcançava há pelo menos três safras, devido à redução da safra na Índia e à abertura de novos mercados na União Europeia. Isso fez com que os produtores brasileiros aumentassem a área colhida no ciclo passado, com maior destinação à produção de açúcar em detrimento ao etanol.
Ainda segundo a entidade, a preferência pelo cristal deve resultar numa redução de 4,9% na produção de etanol, passando de 27,81 para 26,45 milhões de toneladas na safra 2017/18. No entanto, a diferença ocorre apenas no etanol hidratado, que vai direto para as bombas de combustível, pois o etanol anidro (que é misturado com a gasolina) tem público cativo e não apresenta variações na produção.
Não tão animada, e mesmo prevendo que do volume total de matéria-prima a ser processada na safra, 46,99% deverá ser destinada à produção de açúcar, a UNICA trabalha com uma projeção de fabricação de 35,20 milhões de toneladas do cristal, uma ligeira queda de 1,20% no comparativo com as 35,63 milhões de toneladas registradas na safra 2016/2017.
Esse cenário fundamenta-se na expectativa de que a menor quantidade de matéria-prima deva limitar a expansão da produção de açúcar, mesmo com o aumento observado na capacidade instalada de cristalização no centro-sul.
O bom e velho etanol
Nesse contexto, e ainda segunda a UNICA, a produção esperada de etanol deverá somar 24,70 bilhões de litros, o que representa uma retração de 3,71% no comparativo com os 25,65 bilhões verificados na safra 2016/2017. Deste volume, 10,84 bilhões serão de etanol anidro e 13,86 bilhões de litros de etanol hidratado.
A entidade prevê uma produção estimada de etanol que incorpora mais de 300 milhões de litros do biocombustível fabricados no Brasil a partir de milho. Com isso, o volume produzido de etanol de milho no ciclo 2016/2017 totalizou 234,15 milhões de litros, sendo 36,64 milhões de litros de etanol anidro e 197,51 milhões de litros de etanol hidratado.
O volume de produção projetado, associado a um crescimento de 0,50% previsto para o consumo de combustíveis leves no país, apontam para uma retração próxima de 600 milhões de litros das vendas de etanol hidratado carburante na safra 2017/2018 em relação ao ciclo anterior. No caso do etanol anidro, a estimativa indica um crescimento superior a 200 milhões de litros para o mesmo período.
No que tange à exportação do biocombustível pelo centro-sul, a UNICA estima cerca de 1,10 bilhão de litros no ciclo 2017/2018, abaixo do volume registrado em 2016/2017, quando exportou-se 1,36 bilhão de litros.
Dificuldades
Segundo o consultor da FCStone, Murilo Aguiar, além do clima a lista de dificuldades que o produtor vai encontrar nessa nova safra é encabeçada por uma queda de preço do açúcar, embora o lucro ainda supra o custo de produção. “Quem não conseguiu aproveitar os preços no final do ano passado, quando havia uma remuneração um pouco mais atraente, agora vai sentir essa dificuldade. Pode haver uma recuperação futura, caso o mercado no lado da demanda se aquecer”, destaca.
Outro ponto importante dessa nova safra é a dificuldade de incremento de moagem da matéria prima.
Mesmo não havendo um aumento na produção da cana, a manutenção do desempenho é um passo favorável se analisada em conjunto com questões tributárias – que tem sido uma das principais brigas entre produtores e Governo Federal, altos custos de produção, falta de políticas públicas para o setor e a grave crise econômica que atinge a atividade a cerca de oito anos.
Houve ainda o aumento da importação de etanol americano, devido a superprodução de milho nos Estados Unidos, e uma mudança de visão do governo, que saiu de um investimento pró álcool para uma prioridade para o petróleo, o que gerou quedo do investimento no setor.
Diante dos impasses, Murilo destaca a importância do trabalho feito pelas entidades representativas do setor, como o Fórum Nacional Sucroenergético (FNS), que vem se consolidando como principal representação nacional da atividade.
Mas a lista de dificuldades é um pouco mais extensa e possui um ponto que vem sendo tratado com muito cuidado por entidades e produtores. Segundo dados da Única, a safra 2017/2018 da região centro-sul deve movimentar 90 usinas, que estarão operantes como a grande esperança dos produtores de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná.
O número menor de usinas em funcionamento – na temporada passada eram cerca de 120 usinas operando – é mais uma prova de que a nova safra chega trazendo preocupação a região responsável por cerca de 90% da produção de açúcar e etanol do Brasil.
Porém, a diminuição não deve surpreender, já que muitas usinas vinham apresentando sinais de que teriam sido fortemente afetadas pela crise, o que as teria levado ao endividamento.
Segundo a Unica, pelo menos um terço das 360 usinas instaladas na região Centro-Sul passa por algum tipo de dificuldade financeira. Entre elas, 60 convivem com dívidas superiores a R$ 100 por tonelada de cana processada. Enquanto isso, o produtor segue fazendo o que pode. Para 2017, a previsão é que duas unidades fechadas nos últimos anos sejam reativadas, sendo uma no estado de São Paulo e outra no Mato Grosso do Sul.
Em contrapartida, quatro unidades que operaram na última safra não devem processar cana em 2017. Devido à baixa oferta de matéria-prima, essas empresas decidiram direcionar a cana-de-açúcar para processamento em outras plantas industriais.
Por fim, a necessidade do surgimento de um novo tipo de produtor é um dos grandes (e antigos) desafios da nova safra. Compartilhando o mesmo pensamento, todas as consultorias, entidades e uma grande parcela de produtores entende que o futuro é plantar e cuidar da terra ao mesmo tempo, investindo em aumento de área e manejo adequados para conseguir extrair o máximo de produtividade. O
fato é que quem quiser terminar a safra no azul vai ter que assoviar e chupar cana, cuidando da atividade principal sem tirar o olho das atividades integradas à ela, como soja, gado de leite e corte – assim, ao mesmo tempo e com muito jogo de cintura.
Sobre essa diversificação, o consultor técnico da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) para a área de bioenergia, Alexandro Alves, afirma que esse é um dos caminhos para mitigar efeitos econômicos e políticos e um meio para que o produtor mão seja tão afetado. Porém, segundo ele, o grande problema é que a cadeia produtiva da cana-de-açúcar tem um diferencial: “é uma cultura que demanda larga escala”, alerta, já destacando que em nível de fornecedor, essa diversificação já acontece. Alexandro exemplifica citando a agricultura de precisão que está, aos poucos, sendo inserida nos canaviais.
Outro ponto levantado por Alexandro e que, segundo o consultor, fará toda a diferença para a consolidação do setor é a união dos produtores e das entidades representativas, o que resultará na construção de uma boa relação com os governos Estadual e Federal.
De olho nas pragas
Diante da reação dos canaviais, da melhoria das condições climáticas e da manutenção dos preços, o presidente da Comissão de Cana-de-Açúcar da Faeg, Joaquim Sardinha, também espera uma safra menos problemática e caracteriza o cenário futuro do setor como promissor, porém ele destaca a preocupação da entidade com as pragas que vem tirando o sono dos produtores.
Segundo ele, devido a boa resposta dos canaviais, produtividade e rentabilidade vão andar lado a lado, mas o cenário vem, cada vez mais, exigindo um produtor atento as novas doenças – que estão vindo com grande força já que o clima tem favorecido o aparecimento delas – assim como mudanças de variedades e ambientação de solo.
“O produtor precisa aproveitar que hoje a pesquisa canavieira está mais direcionada para ele, ganhando mais espaço dentro das propriedades. Antes ela ficava focada nas usinas e nas necessidades corporativas. A mudança aumenta as chances da descoberta de novas variedades, mais adaptadas”, pontua.
Na opinião de Sardinha, além das doenças, os principais desafios do produtor serão: os altos custos de produção, a elevação continuada das taxas de juros e a dificuldade de acesso ao crédito.
positivo
Localizada em Goianésia, pode-se dizer que a usina Jalles Machado, é uma sobrevivente da crise que afetou em cheio o setor canavieiro. Produzindo etanol, açúcar convencional e orgânico, levedura, energia e produtos de higiene e limpeza, a empresa se organizou e chega aos 37 anos com sólidos motivos para comemorar.
Segundo o diretor presidente, Otávio Lage Filho, depois de um ano de seca expressiva – a maior que a empresa enfrentou em toda a sua história – houve uma quebra de 18% na produção, mas o número poderia ter sido devastador. “O impacto não foi maior devido ao sistema organizado de irrigação, ao investimento na renovação do canavial (realizada anualmente) e ao fortalecimento da vontade de crescer ainda mais. Esse ano esperamos retomar de vez nossa produção e produtividade. Isso, por conta do excelente trabalho técnico realizado pela empresa. Estamos, no contexto do setor, em uma situação mais confortável”, conta Otávio.
Sobre a safra que acabou de começar, o empresário está bastante otimista: as duas unidades juntas devem alcançar 4,3 milhões de toneladas, visto que a chuva se apresentou de maneira mais espaçada, mesmo que em menor volume. Os preços também devem ser mais compatíveis do que em 2016.
Quanto aos desafios, Lage destaca variáveis específicas que impactam na parte agrícola da Jalles Machado. A questão da irrigação, que precisa estar em constante evolução, o cultivo da cana orgânica, que exige mais cuidado por parte da empresa, e a aplicação de herbicidas. Além disso, de maneira mais global, Otávio destaca a necessidade de políticas públicas para o setor.
Michelle Rabelo-Canal-Jornal da Bioenergia