Por Felipe Kury
O tema segurança energética voltou com força total à pauta global. Grande parte dos países enfrenta uma crise no setor, que agrava o quadro econômico que já vinha desfavorável com inflação alta e perspectivas de recessão. A guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada em fevereiro deste ano, torna a crise econômica e energética em uma crise geopolítica de grandes proporções. Neste contexto desafiador, governos ao redor mundo buscam alternativas para garantia de fornecimento de energia a preços competitivos afim de evitar impactos mais severos em suas economias.
E o Brasil? Em função dos seguidos reajustes dos preços dos combustíveis, e em resposta as pressões de vários setores da sociedade, o governo federal, em coordenação com o congresso, estados e municípios, se mobiliza para amenizar os efeitos da crise energética global. A resposta passa por desde a redução de tributos até subsídios para algumas categorias menos favorecidas com a recém aprovada PEC dos Benefícios Sociais.
Importante destacar que a matriz energética do Brasil é uma das mais diversificadas do mundo, com 44,7% da oferta de energia renovável, e 47,7% da energia primária proveniente do petróleo e gás natural. O Brasil, apesar de estar entre os 10 maiores produtores de petróleo do mundo, ainda depende de importação de seus derivados para atender a demanda interna. Segundo dados da ANP (Agência Nacional de Petróleo), temos necessidade de importar cerca de 415 mil barris/dia.
O atual parque de refino tem a capacidade de processar 2,3 milhões de barris/dia – insuficiente para atender a demanda interna, que é de aproximadamente 2,7 milhões de barris/dia. De acordo com a ANP, entre janeiro e abril, a importação média dos principais derivados em relação ao total comercializado no país foi de: diesel A (27%), GLP (21%), QAV (17%) e gasolina A (8%). O diesel, em especial, representa 44% da matriz veicular no Brasil e a descontinuidade no abastecimento pode ter impacto relevante em diversos setores da economia, principalmente no agronegócio e na logística/distribuição de diversos produtos e serviços.
Para complicar um pouco mais a situação, grande parte da importação de diesel para o Brasil é proveniente das refinarias americanas no Golfo do México. Estas refinarias têm grande capacidade de processamento de petróleo, já que processam mais de 5 milhões de barris/dia – 27,4% da capacidade do refino dos EUA. Porém, elas já se encontram quase no limite de seu fator de utilização (94% em média de FUT) e com dificuldade de atender a demanda crescente do mercado americano, europeu e do resto do mundo.
As projeções de produção de petróleo da EIA (Energy Information Agency, USA) apontam para uma leve alta da oferta em relação à demanda nos últimos meses do ano, sugerindo que o mercado vai se manter em equilíbrio – oferta próxima de 100 milhões barris/dia, média para 2022. Entretanto, por razões já mencionadas, o mercado de energia global está bem tensionado. A disponibilidade do petróleo Russo, decisões sobre aumento (ou diminuição) de produção de petróleo dos países do Oriente Médio e a possibilidade de desastre naturais (como furacões no Golfo do México), podem reverter este quadro de aparente equilíbrio, causando desabastecimento e elevação nos preços.
Portanto, dado o alto grau de incertezas, a melhor estratégia é se preparar para o pior cenário. O Comitê Setorial de Monitoramento do Suprimento Nacional de Combustíveis e Biocombustíveis (CMSNC) e agentes do mercado, vem discutindo alternativas para mitigar a possível escassez de diesel no segundo semestre de 2022. A ANP propôs, recentemente, ampliar os estoques operacionais de diesel nas distribuidoras (elevar estoques operacionais de cinco para nove dias semanais, em média), mas esta ampliação de estoque seria exigida somente por alguns meses, até a situação se normalizar. Esta alternativa, apesar de buscar uma segurança maior de oferta do produto, na prática, pode elevar os custos para o mercado e para o consumidor final, além de implicar em eventual falta do produto, já que os agentes terão que ampliar seus estoques.
Ao contrário, seria preferível criar incentivos para o próprio mercado propor soluções factíveis e economicamente viáveis, com o objetivo de aumentar a oferta de diesel no curto prazo. A ideia é promover incentivos que possam melhorar a dinâmica dos fluxos logísticos para circulação e internalização do produto, bem como redução dos custos associados à importação, tais como tarifas e tributos. Outra sugestão, e muitas vezes mencionada pelo próprio mercado, seria autorizar que importadores e distribuidoras celebrem acordos de cessão de espaço nos terminais e bases de distribuição, possibilitando melhor eficiência na utilização de espaços de armazenagem do produto.
Adicionalmente, ainda do lado da oferta, seria verificar a possibilidade de se aumentar a produção interna de diesel, obviamente, sem comprometer a segurança operacional das refinarias – opção muito provavelmente já em curso na pauta do governo, agência reguladora e refinadores. E, finalmente, como já mencionado pelo próprio governo, buscar importar o produto de outras regiões além do Golfo do México, tais como Rússia e Oriente Médio.
O frágil equilíbrio entre oferta e demanda no mercado global de petróleo e gás natural, elevam os riscos de falta de produto e pressão sobre preços de derivados. O fato é que existem muitas incertezas que trazem indícios de mais volatilidade para o mercado nos próximos meses, portanto, é imprescindível desenvolver um plano robusto para garantir a segurança energética do Brasil.
De fato, neste momento, o remédio amargo de uma possível redução da atividade econômica, ou mesmo de uma recessão, talvez seja a alternativa mais provável para trazer alívio para a crise energética global. Este remédio nos deixa uma sensação desconfortável e com mais incertezas em relação ao futuro, porém, cria a motivação necessária para continuarmos promovendo as mudanças estruturais em prol de fortalecer a segurança, acessibilidade e sustentabilidade do setor de energia do país. Solucionar o problema é uma missão complexa e desafiadora que demanda uma estratégia de longo prazo.
Felipe Kury é ex-diretor da ANP.