Software brasileiro realiza mapeamento da cana

A cana-de-açúcar possui um genoma complexo em relação a outros cultivos comerciais, como o milho, arroz e soja. Para se mensurar, o genoma é cinco vezes maior do que o do milho, e é polipóide, isso é cada cromossomo tem múltiplas cópias. É composto por 10 bilhões de pares de bases, distribuídos entre 100 e 130 cromossomos – é muito difícil de sequenciar pelos métodos genômicos atuais. Assim, fazer o mapeamento genético é algo complexo e caro, pois depende de um aparato computacional poderoso.

Para se mensurar na grandiosidade da cana, o genoma do trigo (Triticum aestivum), outra planta de grande importância comercial, tem 17 bilhões de bases divididas em 21 pares de cromossomos.

Pesquisadores chineses conseguiram finalizar o mapeamento do DNA da cana, o que gerou um custo de 400 mil dólares apenas com o sequenciamento. Com a estratégia desenvolvida para o software nacional não há necessidade de despender dezenas de milhões de dólares com o mapeamento completo da cana.

Na versão brasileira desenvolvida por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), de maneira rápida e econômica, o software Montador de Genes Poliploides ou PGA (Polyploid Gene Assemble, em inglês) permite o mapeamento de parte do genoma, com a reconstrução de genomas complexos e aplicá-lo à cana.

O objetivo do estudo não era montar um genoma completo, como já foi realizado, com a reconstrução de todo o DNA da planta. A estratégia foi focar em pequenas parcelas do genoma, algo entre 1% e 2% do DNA, exatamente onde se encontram os genes de interesse para o melhoramento genômico da planta. Assim, o software conseguiu cerca mapear cerca 10%, e por isso, teve um custo de bem menor, de apenas dez mil dólares.

Segundo o pesquisador da Unicamp, Leandro Costa Nascimento, o estudo foi iniciado em 2014 como tese de doutorado, e foi focado no genoma da espécie Saccharum spontaneu, que é cana energia, voltada para a cogeração de energia por biomassa. Esta espécie é um capim do mesmo gênero da cana-de-açúcar tradicional  – Saccharum officinarum, usado na linhagem parental para cultivares híbridos de cana cultivada atualmente (Saccharum hybridum). “Primeiro selecionamos a espécie, focamos em uma que não é dedicada à produção de açúcar ou resistência híbrida ou afins”, explica.

Aplicação

A ferramenta pode ser útil para projetos que visam ao melhoramento genético de plantas de interesse comercial e já está disponível. O projeto foi registrado em 2017 e patenteado. O uso para fins acadêmico é gratuito. Já para fins comerciais tem um custo de dois mil dólares por três anos. O software pode ser baixado pelo site – bioinfo03.ibi.unicamp.br/pga .

O PGA representa uma nova estratégia para realizar a montagem do espaço genético a partir de genomas complexos usando sequenciamento de DNA de baixa cobertura. O software usa como referência loci gênicos (locais fixos no cromossomo onde estão localizados os genes de interesse) conhecidos de genomas públicos, a partir dos quais são empregadas estratégias de montagem para construir sequências genômicas de alta qualidade na espécie investigada. A validação do processo foi realizada com trigo, uma espécie hexaplóide, usando como referência a cevada (Hordeum vulgare), que resultou na identificação de mais de 90% dos genes, inclusive vários ainda desconhecidos.

Foram identificados um total de 39.234 genes, destes 60,4% agrupados em famílias de genes de gramíneas conhecidas. Com isso, 37  famílias de genes foram expandidas quando comparadas com outras gramíneas, três delas destacadas pelo número de cópias de genes potencialmente envolvidas no desenvolvimento inicial e resposta ao estresse. Além disso, 3.108 promotores (muitos mostrando especificidade do tecido) foram identificados no trabalho.

“Nossos achados do genoma do S. spontaneum destacaram pela primeira vez as bases moleculares de algumas características notáveis dessa biomassa, como a alta produtividade e a resistência frente ao estresse biótico e abiótico. Esses resultados podem ser empregados em futuros estudos funcionais e genéticos, além de apoiar o desenvolvimento de novas variedades de cana-de-açúcar para a indústria agronômica”, explica Marcelo Falsarella Carazzolle, do Laboratório de Genômica e bioEnergia (LGE) do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.

Ele complementa que usando o PGA, há  uma montagem de alta qualidade de regiões gênicas em T. aestivum e S. spontaneum, que demonstra que o software brasileiro pode ser mais eficiente do que estratégias convencionais aplicadas em genomas complexos e usando sequenciamento de DNA de baixa cobertura. Assim, o baixo requisito de memória do PGA em comparação com a estratégia de montagem convencional também é uma vantagem.

O pesquisador ressalta que, mesmo com grandes avanços nas tecnologias de sequenciamento, a montagem de genomas complexos ainda representa um gargalo, principalmente devido à poliploidia e alta heterozigosidade.

De acordo com Carazzolle, o desenvolvimento de novos esforços de bioinformática pode contribuir para a superação dessas restrições, especialmente usando genomas completos dos organismos intimamente relacionados, nos quais os métodos baseados em conjuntos de referência possam ser aplicados.

Em resumo, a PGA pode reconstruir sequências genéticas de alta qualidade a partir de genomas poliplóides, como mostrado para as espécies de trigo e Saccharum. spontaneum, e é mais eficiente que os montadores de genoma convencionais usando sequenciamento de DNA de baixa cobertura.

Cejane Pupulin-Canal-Jornal da Bioenergia

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