Sem políticas públicas de incentivo do governo federal, o etanol acaba sendo visto pela população apenas como um substituto mais barato da gasolina, em vez de ser considerado uma fonte de energia mais limpa e sustentável
Produtores de etanol temem que o Brasil volte a enfrentar com o presidente Lula (PT) um pesadelo vivido durante o governo da então presidente Dilma Rousseff (PT), quando dezenas de usinas fecharam no país porque o combustível, que emite menos gases poluentes, não conseguia concorrer em preço com a gasolina, que era subsidiada pelo governo federal. Os empresários do setor afirmam que o preço do etanol está abaixo do custo de produção, mas a Petrobras está vendendo gasolina com valor mais baixo do que o do mercado internacional.
Durante o evento Credit Suisse Agriculture Investment Conference, promovido nesta semana pelo UBS, em São Paulo, o controlador da Cosan, Rubens Ometto, demonstrou preocupação com o setor sucroenergético e disse que o etanol está sendo muito maltratado no Brasil. Para ele, o governo Lula está apostando na mesma política do governo Dilma: tentar controlar o preço dos combustíveis artificialmente para combater a inflação.
“Isso fez com que centenas de usinas fechassem as portas e outras entrassem em recuperação judicial”, lembrou. “Hoje, tem uma defasagem do preço da gasolina com o mercado internacional, e todo mundo faz a continha do 0,7x, e aí não compra o etanol”, disse ele.
No mês passado, o governo federal enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei apelidado de “Combustível do Futuro”, que propõe o aumento da mistura de etanol na gasolina comum dos atuais 27,5% para 30%, numa tentativa de estimular o consumo do etanol e regulamentar a integração das políticas de descarbonização no país. Mas apenas essas medidas não são suficientes, na opinião de Mário Campos, presidente da Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig).
“Existem políticas públicas do etanol, mas elas são insuficientes para impulsionar o consumo consistente do produto. A produção vem aumentando nos últimos anos, principalmente do etanol a partir do milho. Temos uma oferta hoje crescente no Brasil, mas, em termos de consumo, é uma dificuldade muito grande o consumidor escolher o etanol”, afirma Campos.
O presidente alega que as usinas estão vendendo etanol neste mês com um valor 18% abaixo do que era praticado em outubro do ano passado. Mas o combustível ainda poderia ser mais vantajoso para o consumidor porque, segundo ele, existe muito mais incentivo no país e no mundo para o consumo da gasolina, um combustível fóssil que gera gases poluentes, como o dióxido de carbono (CO2), um dos principais causadores do aquecimento global.
“É uma armadilha, que coloca o etanol em concorrência econômica com o combustível fóssil, que, no caso, é a gasolina. Existe toda uma estrutura mundial de subsídios ao combustível fóssil e à produção de petróleo. No caso do Brasil, a gente tem uma estatal muito forte (Petrobras) operando. Então, há ali interesses daquela área que são muito fortes”, afirmou, questionando ainda a queda do preço da gasolina pela Petrobras, na última semana, num momento em que o valor do combustível no mercado internacional não está em queda.
Para ele, esse incentivo ao uso da gasolina acaba sendo uma medida contraditória, pois a expectativa do governo é que, em 2050, o país zere a emissão de carbono na atmosfera. “E como ficam as nossas metas climáticas?”, questiona.
O presidente da Siamig acredita que uma boa alternativa para o país seja o estímulo do governo ao uso do veículo movido a etanol em vez do carro elétrico.
“No caso dos veículos, pode haver incentivos para a volta do motor etanol dedicado, dentro do conceito de híbrido. Pode ser uma oportunidade. Hoje nós temos o veículo flex, mas que também pode ser abastecido com gasolina. Quando há veículos com o motor dedicado, você sabe que aquele consumidor vai abastecer com etanol. Agora, o que não pode é dar incentivo para o carro elétrico puro”, argumenta.
Mário Campos chegou a citar a declaração do governador Romeu Zema (Novo), na semana passada, dizendo que os carros elétricos “ameaçam empregos no Brasil”. “Ele está certíssimo, porque esses veículos são importados para as pessoas de alta renda, e o Brasil dificilmente vai produzir bateria. Então vamos passar a importar e gerar empregos lá na China”.
ICMS
Para o presidente da União Nacional da Bioenergia (Udop), Hugo Cagno Filho, o grande impasse é que, no Brasil, o álcool é visto apenas como um substituto mais barato da gasolina. “Não é enxergado como energia limpa”, lamenta.
Ele avalia que, atualmente, não existe nenhuma política suficiente de incentivo ao uso do combustível no país. “A única coisa que nós tínhamos era o diferencial do ICMS”, lembra.
Mas, em junho, entrou em vigor a alíquota única de tributo sobre o etanol, com a cobrança de R$ 1,22 por litro em todo o território nacional. E, nessa quinta-feira (26/10), o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) aumentou em 12,5% o imposto, passando para R$ 1,37 por litro.
Cagno Filho relata que, nos Estados Unidos, o etanol chega a ser mais caro que a gasolina, mas as pessoas abastecem com ele porque sabem que é um combustível menos poluente. E lembra que a Índia ampliou a mistura de etanol na gasolina de 10% para 20%. “No dia que o povo enxergar assim, acho que a gente vai melhorar muito nossa condição. O futuro é do etanol, e o Brasil é o maior produtor de açúcar do mundo, sendo um grande exportador”, destaca o presidente da Udop.
Usinas
As usinas que produzem etanol e açúcar conseguem enfrentar melhor os períodos mais delicados para o combustível. Cagno Filho também é presidente da Usina Vertente, em São Paulo, e confirma que os negócios vão bem, mas que o preço do etanol está péssimo, abaixo do custo, “exatamente pela política governamental (guiada) pelo preço do petróleo”, explica.
No entanto, o risco é maior para as usinas que vendem apenas etanol. “Nessas usinas há uma preocupação muito grande porque só tem esse produto, o etanol, e ele passa por um momento muito complicado hoje. A gente está vendendo abaixo do custo de produção, esta é a grande verdade”, afirma Mário Campos, da Siamig.
Posição do governo federal
Em nota, o Ministério de Minas e Energia (MME) diz que tem atuado para fortalecer o RenovaBio e garantir que o país caminhe em direção ao aumento da participação dos biocombustíveis e à redução da intensidade de carbono da matriz de combustíveis. Para a pasta, “o etanol tem um papel fundamental nessa estratégia”.
O governo federal reforçou o envio ao Congresso Nacional da proposta de aumento do percentual de mistura do etanol na gasolina para 30%. E também alega que tem atuado para promover o etanol no mercado internacional.
“Agora em setembro, na Reunião de Cúpula do G20, o MME assinou, em nome do governo brasileiro, a adesão à iniciativa da ‘Aliança Global para os Biocombustíveis’, fundada por Brasil, Índia e Estados Unidos, em conjunto com outros países que desejam promover o uso de biocombustíveis”. O Tempo