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Tecnologia brasileira produz etanol a partir do bagaço da cana

Um grupo de pesquisa brasileiro obteve resultados que prometem ampliar o acesso da indústria nacional ao chamado E2G (etanol de segunda geração), obtido a partir de subprodutos da cana-de-açúcar e que pode aumentar a produtividade por área plantada em até 50%.

As matérias-primas são o bagaço e a palha da cana, normalmente aproveitados para produzir energia termelétrica por meio de sua queima.

Os cientistas do Laboratório Nacional de Biorrenováveis do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais) fizeram modificações genéticas em uma linhagem do fungo Trichoderma reesei de modo a forçar sua colaboração nesse processo.

O fungo tem a capacidade natural de digerir celulose e hemicelulose, componentes que formam a parte mais fibrosa e rígida da planta —e mais difícil de aproveitar no processo convencional.

Curiosamente, essas moléculas celulósicas são constituídas por um grande encadeamento de outras menores, de açúcar. Entretanto, fazer essa engenharia reversa não é tão simples.

Essa linhagem do T. reesei empregada no estudo foi descoberta por tropas americanas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), nas ilhas Salomão. Era ela a culpada por destruir parte do vestuário dos soldados (feito de algodão, que contém celulose).

Desde então, vários grupos de pesquisa vêm tentando melhorar o desempenho do T. reesei em atividades que vão da despoluição por óleo à produção de etanol. Até então, os melhores resultados para obtenção de E2G eram os de empresas que desenvolveram suas próprias linhagens —guardadas a sete chaves.

Os cientistas brasileiros, liderados pelo biofísico Mario Murakami, mapearam e introduziram seis modificações genéticas no microrganismo original, de modo a maximizar a produção do coquetel enzimático.

A alterações se deram em alguns fronts: promoção da produção de enzimas, remoção dos controles celulares que podem frear esse processo e garantia da integridade dessas macromoléculas.

Tantas edições gênicas só foram possíveis graças à ferramenta molecular conhecida como Crispr-Cas9, que permite deleção, inserção e alteração das sequências de “letras genéticas” que compõem o DNA, tal como fazemos em um editor de textos no computador ou no celular.

O resultado obtido foi uma produção de 80,6 gramas de enzima por litro, valor que, segundo os pesquisadores, é o maior já reportado.

A produção de etanol de segunda geração não é exatamente nova, mas até então não havia tecnologia nacional que permitisse isso, afirma Murakami. “Não é trivial domesticar e engenheirar um microrganismo”, diz.

O E2G sai mais caro para produzir do que o E1G, mas o principal apelo é o impacto ambiental. O resultado estimado é de redução de 30% nas emissões de CO2 e a mesma porcentagem de redução na pegada hídrica.

No país, a principal fabricante de E2G é a Raízen, joint venture formada pelos grupos Shell e Cosan. A empresa já tem o processo bem estabelecido desde a safra 2015/16, resultado de anos de desenvolvimento e preparação, segundo Antônio Simões, vice-presidente de logística, distribuição e energias renováveis.

O coquetel enzimático que empregam foi desenvolvido por uma empresa canadense, mas detalhes de seu funcionamento não foram revelados.

“Existe um grande valor em sustentabilidade e na economia circular, e já estamos na sexta safra. Várias empresas já desistiram no meio do caminho”, diz Simões.

O executivo cita como exemplos dessa estratégia a obtenção de biogás a partir da vinhaça (resíduo líquido da produção de etanol) e a produção de pellets de biomassa (aglomerados que substituem o carvão) e de biometano.

Somado à energia proveniente da queima do bagaço, o combustível de origem renovável ocupa uma fatia de 17% do total consumido pelo país, de acordo com a Resenha Energética Brasileira de 2018.

Esse número tem potencial para crescer graças ao incentivo de programas como o RenovaBio, cujo objetivo é reduzir as emissões de carbono. Em relação à gasolina, a redução líquida de gases do efeito estufa pode chegar a 90% ou até mais, no caso do E2G.

O percentual de E2G da Raízen ainda é pequeno, da ordem de 2% atualmente, mas há muito espaço para crescer.

“A gente vai descobrindo eficiência. Em algum momento, a tecnologia pode se tornar mais barata e tem a chance de o preço ser par com do etanol de primeira geração”, afirma o Simões.

“Mas há muitas variáveis envolvidas, como o custo de bio-massa —que é mais barata no Brasil do que na Europa, por exemplo—, o preço das enzimas e a taxa de câmbio.”

A invenção brasileira, para a qual foram solicitados dois pedidos de patente, chegou a ser testada numa planta-piloto no próprio Laboratório Nacional de Biorrenováveis, a fim de atestar a viabilidade técnica do processo.

“A plataforma foi concebida de forma que fosse totalmente integrável às usinas sucroalcooleiras do país, sem custo de transporte e armazenamento”, diz Murakami. “Com relação ao amadurecimento tecnológico, esse é o limite que podemos entregar.” Folha de S. Paulo

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