Tradicionalmente a cana-de-açúcar no Brasil tem sido cultivada sem o uso da irrigação ou a aplicação de uma pequena lâmina de água, quase sempre na época da brotação. Entretanto, a adoção da técnica de irrigação com lâminas mais adequadas para redução do déficit hídrico tem sido crescente graças, principalmente, aos avanços da indústria de equipamentos de irrigação, que tem ofertado de forma competitiva sistemas mais modernos, eficientes e projetos de custos mais adequados.
Conforme estudo publicado pelo engenheiro agrônomo e diretor da Irriger, Hiran Medeiros Moreira, e do engenheiro agrícola PhD em irrigação, Everardo Chartuni Mantovani, com a implantação de áreas de produção de cana-de-açúcar no centro-norte brasileiro, sobretudo onde há cerrado, a cultura foi exposta a maiores níveis de déficit hídrico, principalmente em função da ocorrência de temperaturas elevadas durante o inverno, maior insolação, solos com menor capacidade de retenção hídrica e períodos de estiagem mais prolongados.
O setor sucroenergético enfrenta uma crise que tem origem em problemas conjunturais e setoriais. Segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), das 409 usinas sucroalcooleiras brasileiras, 80 estão paralisadas e 44 estão em recuperação judicial. Os conjunturais começam a dar sinais de melhora principalmente analisando os preços de etanol e energia e suas projeções. Entre os setoriais, a perda de produtividade causada por um planejamento de atividades agrícolas que não considera, em muitos casos, o melhor manejo da água para o plantio, tratos de soqueira e colheita, ficou muito evidente com as fortes variações climáticas observadas nos últimos anos.
De acordo com o Grupo de Irrigação e Fertirrigação de Cana-de-Açúcar (GIFC), o bom manejo da água é um dos caminhos para a elevação das produtividades médias dos canaviais que precisa atingir as 100 toneladas/ha para suportar e sustentar o setor sucroenergético como produtor de commodities e, portanto sujeito a grandes variações de presos que exige definições estratégicas e investimentos.
Estudos realizados pela Valmont e Irriger indicam que cerca de 140 mil hectares são irrigados com lâminas superiores a 100 mm/ano, não alcançando 1,5% da área de cultivo. Destes, 115 mil hectares são irrigados utilizando pivôs centrais e sistemas lineares, com modelos fixos e rebocáveis. Os números demonstram como a tecnologia da irrigação é pouco utilizada na cultura da cana-de-açúcar no Brasil, embora haja significativo retorno como estratégia de aumento de produtividade, rentabilidade e sustentabilidade do investimento.
Tecnologia
O gerente agronômico da Netafim, Carlos Sanches, comenta que a empresa apresentou o resultado de um projeto de irrigação por gotejamento subterrâneo na cultura de arroz. A tecnologia foi testada nas últimas duas safras na região de Uruguaiana (RS) e como resultado quase duplicou a produtividade, saindo de 7,5 toneladas por hectare (por meio do modelo tradicional: irrigação por inundação) para 12 toneladas por hectare (usando a técnica de irrigação por gotejamento).
Além disso, no sistema de inundação, gasta-se três mil milímetros de água por hectare, enquanto que no gotejamento foi usado apenas um mil milímetro de água por hectare. A Netafim apostou no tubo flexível como uma nova solução para o mercado. O lançamento é usado como o tubo que leva a água até os gotejadores no sistema de irrigação por gotejamento, microaspersão e aspersão e substitui o PVC. Entre as vantagens, o tubo é mais leve e indicado para sistemas móveis. “O produtor pode usar o tubo flexível em áreas diferentes, pois é fácil para instalar, recolher e transportar. Ele ocupa menos espaço de armazenamento dentro da fazenda bem como nos caminhões de transporte, sendo que cabe até nove vezes mais de material no mesmo espaço quando comparamos com o PVC”, comenta Sanches. O tubo é constituído de polietileno reforçado na cor branca, para proteger de raio UV (ultravioleta), é reciclável e certificado pelo padrão de qualidade ISO.
Por contemplar mais de 95% de uniformidade, o sistema permite a injeção de fertilizantes na quantidade e na época em que a cultura necessita, mesmo após o crescimento da cultura, além de injeção de defensivos agrícolas para controle de pragas, principalmente para pragas de solo, reduzindo assim os custos de produção. “Outro beneficio importante se dá pelo incremento de produtividade, que se mantem alto por um maior número de anos e consequentemente aumenta a longevidade do canavial, que em alguns casos atingiu 14 cortes”, comemora Sanches.
A irrigação via gotejamento tende a tornar a área autossustentável, ou seja, se a área produzir 150 m³ de vinhaça, o objetivo é devolver via irrigação os mesmos 150 m³. A vantagem é que essa vinhaça não precisa ser aplicar em duas laminas, como no sistema convencional. Por ter acesso às raízes da cultura em toda a fase de crescimento, a vinhaça por ser parcelada em até 10 meses.
Viabilidade econômica
Por ser uma cultura semi-perene, com maior tolerância ao déficit hídrico, é importante saber qual o nível de stress hídrico admissível que ainda garanta altas produtividades da cana-de-açúcar. Isso requer a análise dos ganhos em logísticas e em superações de riscos, com o descortinar de novas produções por área, longevidade dos canaviais, custos por tonelada posto na usina, rendimentos entre outros benefícios. A irrigação estabelece um novo patamar tecnológico, maximizando-se o aproveitamento do potencial produtivo do material genético disponível.
O sistema de irrigação da Netafim tem preço cerca de 20% a 30% mais cara que o pivô central, por exemplo, valor que se paga em três anos graças ao incremento de produtividade o sistema de irrigação por gotejamento.
“No caso da cana-de-açúcar, conseguimos aumentar a produtividade em mais de 50 ton/ha, além de aumentar a longevidade para mais de 10 cortes enquanto o de sequeiro não chega a 5-6 cortes. Além disso, podemos acrescentar com a redução de mão de obra no campo, redução nos custos de aplicação (diesel, horas máquina, operadores de maquina), redução do custo com defensivos pós emergentes, redução no custo de fertilização em R$/ton de cana. Nessa linha de pensamento também podemos citar que se aumentando a produção por unidade de área, as usinas e fornecedores podem reduzir o custo de arrendamento e CCT”, avalia Sanches.
Conforme apontam Hiran e Everaldo, os ganhos indiretos mais significativos em investimento em irrigação de cana-de-açúcar são redução do custo de colheita mecanizada, de arrendamento, de manutenção, de renovação de áreas de expansão e de transporte. À medida que há aumento de produtividade com a adoção da irrigação, a usina deixará de arrendar, implantar, manter e renovar uma determinada área que seria utilizada para se atingir a produção adicional obtida com a adoção da irrigação.
A irrigação de cana-de-açúcar necessita de um sistema de gerenciamento que possibilite a decisão técnica da lâmina de irrigação, assim como o controle do custo de água e energia. Devido às grandes dimensões dos projetos e dos valores a serem investidos, é preciso estruturar planos diretores para elencar as etapas e prioridades de investimento.
Modelos
Basicamente são três diferentes concepções de projetos para irrigação de cana de açúcar, implantados de acordo com a disponibilidade hídrica, nível tecnológico, exposição ao déficit hídrico local e estratégia da usina. A Irrigação de salvamento, que consiste em aplicar lâmina de 40 a 80 mm após cada corte anual; a irrigação com déficit, que consiste em aplicar lâminas acumuladas de 200 a 400 mm/ano e a irrigação plena ou total, que consiste em aplicar lâminas acumuladas acima de 500 mm/ano.
O sistema Irriger de Gerenciamento de Irrigação tem recomendado como estratégia para a produção de cana no cerrado a irrigação com déficit hídrico monitorado. De acordo com Hiran e Everaldo, o projeto de irrigação é implantado a partir do estudo do requerimento de irrigação que propiciará redução de 25 a 35% da evapotranspiração potencial da cultura. A cultura será conduzida por meio de monitoramento do balanço hídrico diário, comparado com o balanço de água no solo, a se desenvolver com déficit hídrico controlado a fim de economizar água e energia, garantindo altos níveis de produtividade.
Para que isso se dê de maneira satisfatória, é preciso implantar um programa de gerenciamento de irrigação, que inclui estudo físico-hídrico do solo, adequação de eficiência de operação dos equipamentos, monitoramento climático e configuração do uso de água da cultura.
Segundo os pesquisadores, o caminho mais seguro para investir em grandes projetos de irrigação de cana-de-açúcar é desenvolver planos diretores de modo a definir prioridades e etapas de investimentos calcados em parâmetros técnicos, econômicos e operacionais. Os ganhos indiretos propiciados pela adoção da irrigação adequada representam cerca de 70% dos ganhos de produtividade alcançados e precisam ser considerados na análise de investimento.
Após a instalação do projeto é fundamental gerenciar a irrigação para que seja realizada com base em critérios técnicos e dentro dos parâmetros do planejamento, promovendo altos níveis de produtividade com uso racional de água e energia, garantido sustentabilidade econômica e ambiental às áreas de produção.
Canal-Jornal da Bioenergia
Foto: Tatiana Freitas/Netafim