Trocar pastagem por cultivo de cana-de-açúcar não piora o solo

A conversão de áreas de pastagem em áreas de cultivo de cana-de-açúcar, diferentemente do que se pensava, não resulta necessariamente em agravamento na degradação do solo. Esse é o resultado de um estudo desenvolvido na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba. “O processo de conversão pode, inclusive, melhorar a qualidade do solo quando a cultura for bem manejada”, aponta Maurício Roberto Cherubin, autor do trabalho que acaba de receber menção honrosa no Prêmio Tese Destaque USP 2017 .
Segundo o pesquisador, a expansão de áreas de cana-de-açúcar sobre áreas atualmente ocupadas por pastagem extensivas se configura como uma estratégia sustentável sob o posto de vista de qualidade do solo para atendermos a crescente demanda por biocombustíveis. “A motivação para desenvolver esta pesquisa alicerçou-se no fato de que a problemática envolvendo os impactos ambientais da mudança de uso da terra para expansão da produção de biocombustíveis é globalmente reconhecida como umas das agendas prioritárias de pesquisa”.
A tese intitulada Soil quality response to land-use change for sugarcane expansion in Brazil foi realizada entre 2013 e 2016, sob orientação do professor Carlos C. Cerri, com período sanduíche (11 meses) realizado junto ao United States Department of Agriculture (USDA/ARS) e do National Laboratory for Agriculture and the Environment, em Ames, nos EUA, sob supervisão de. Douglas L. Karlen. “O aumento da demanda de biocombustíveis, como o etanol, tem impulsionado a mudança de uso da terra em diversos locais do mundo e, em especial no Brasil, onde a área cultivada com cana-de-açúcar aumentou 35% [equivalente a 3,2 milhões de hectares] na última década”. Portanto, segundo Cherubin, monitorar quais são as alterações induzidas pelo cultivo da cana-de-açúcar na qualidade ou saúde do solo dessas novas áreas de cultivo, bem como, identificar quais os efeitos destas mudanças na provisão de serviços ecossistêmicos (ou seja, benefícios que o solo fornece às pessoas), é essencial para garantir a sustentabilidade do cultivo de cana-de-açúcar no Brasil.
Com o objetivo de compreender melhor e quantificar estas alterações na qualidade do solo, foram selecionadas áreas submetidas à principal sequência de mudança de uso da terra (conversão da vegetação nativa para pastagem, e posteriormente conversão da pastagem para cana-de-açúcar) em três locais, Ipaussu (SP), Valparaíso (SP) e Jataí (GO), que formaram uma área de aproximadamente 1000 km ao longo da região Centro-Sul do Brasil, a principal região produtora de cana-de-açúcar do mundo. “Em cada área, foram realizadas coletas de solo para a avaliação de mais de 40 indicadores químicos, físicos e biológicos de qualidade do solo”, explica o pesquisador.
Os dados foram analisados utilizando uma ferramenta desenvolvida chamada de Soil Management Assessment Framework (SMAF), que é amplamente utilizada nos EUA e outros países ao redor do mundo, mas ainda não havia sido testada em solos tropicais da América Latina. “Além disso, novos índices foram desenvolvidos visando melhor compreender as alterações na qualidade do solo em áreas de cana-de-açúcar, bem como, potencialmente aplicáveis a outros sistemas de produção como culturas anuais e sistema integrados, por exemplo”, complementa.
Os resultados mostraram que a expansão de áreas de cana-de-açúcar sobre áreas atualmente ocupadas por pastagem extensivas se configura como uma estratégia sustentável sob o posto de vista de qualidade do solo e poderá atender a crescente demanda por biocombustíveis. “Acreditamos que esta tese servirá de base científica para guiar práticas de manejo que melhorem a qualidade do solo e políticas públicas voltadas à conservação do solo e consequentemente à sustentabilidade da produção de cana-de-açúcar no Brasil”.
Este estudo é parte de projetos mais abrangentes que envolvem outros indicadores de sustentabilidade ambiental em sistemas com mudança de uso da terra para cultivo de cana-de-açúcar, que vêm sendo conduzidos pelo grupo de pesquisa nos Laboratórios de Biogeoquímica Ambiental (Cena) e Matéria Orgânica do Solo (Esalq), sob a liderança dos professores Carlos C. Cerri, Brigitte Fiegl e Carlos Eduardo Pellegrino. O trabalho contou ainda com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) na concessão da bolsa de estudo de Doutorado e Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior.

Jornal da USP

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